sexta-feira, setembro 11, 2009

Primeiros passos.

Resolvi abordar a cada aula, junto aos alunos, questões importantes para a composição espacial de uma pintura. Construímos relações dialéticas entre os elementos da linguagem visual: linha, plano, textura, cor, ponto, etc., na espe-rança de começarmos a trilhar em direção a uma criação autônoma e individual dos pequenos discentes. Trabalhei aspec-tos para a composição pictórica como harmonia espacial com linhas verticais, horizontais, diagonais.

DONDIS [2] nos diz que a utilização dos componentes visuais básicos como meio de conhecimento e compreensão tanto de categorias completas dos meios visuais quanto de obras individuais é um método excelente para explorar o sucesso potencial e consumado de sua expressão. A princípio o método com alguns desses componentes visuais nas composições não despertaram a potência criadora dos pequenos alunos, pois não foram bem recebidas pelos mesmos, talvez por não estarem acostumados a criar sem a referência de imagens. A primeira vista, o caminho para a poética da pintura abstrata mostrava-se árduo, era hora de tentar outra tática.



Para aliviar a má recepção da experiência pelos alunos resolvi utilizar o elemento visual em que a criança entra em contato com a sua primeira expressão artística: a cor. Utilizando-me de pranchas cromáticas (fig.1), demonstrei por par-tes, as relações entre contrastes e tonalidades, relações entre as cores complementares, cores primárias, secundárias e terciárias. Os alunos deveriam produzir “famílias” cromáticas, por exemplo entre o azul e o amarelo criariam tonalidades de verdes, entre o vermelho e o amarelo criariam tons de laranjas, entre o vermelho e o azul criariam tons de violáceas e assim por diante.


Fig.1:Prancha utilizada para explicar a relação entre as cores.

RICHTER [3] cita que a cor toca o ser dinâmico das coisas, expondo-a como eterna fluidez e mudança, um enigma sensorial quase mágico, onde nada é fixo no constante movimento do gesto sobre as cores. Cada cor que vemos está em nós e em torno de nós, e em ambos os lugares é vida, é atualidade ou atualização, por isso não seria difícil para os educandos associarem a produção das pranchas de cores com as cores do mundo que os cercavam todos os dias

Senti que esta etapa da experiência agradou mais aos alunos, já que eles aprenderam a fazer cores que só encontravam prontas nos potes de tintas. Ao mesmo tempo em que faziam suas pranchas eram indagados por mim sobre as sensações (alegria, tristeza, calor, frio, calma, agitação, etc.) que as cores despertavam neles. Após uma familiarização com as cores, parti para uma reflexão sobre o uso expressivo das cores na pintura. Relatei que o artista também pode se expressar sem o uso de figurações como casas, barcos, pessoas ou paisagens simplesmente usando cores e gestos.

Com a ajuda de uma televisão e de um aparelho de DVD mostrei algumas imagens em que Bandeira abusa da gestualidade em suas pinturascomo no exemplo abaixo (fig. 2)


Fig.2: Antonio Bandeira. Sol sobre paisagem -1959

Em outra aula voltei a utilizar a televisão para mostrar cenas do filme “Pollock” (fig. 3) foquei em uma das cenas em que o pintor passava horas olhando para a tela em branco e isso despertou incômodo em alguns dos pequenos que indagavam: Por que ele não pinta logo? Eu expliquei a eles que na pintura abstrata não olhamos para um objeto para pintarmos, temos que usar o nosso coração para imaginarmos a pintura, por isso Pollock estava demorando para pintar. Outra cena que marcou a admiração dos meninos foram as que mostravam a forma como o pintor “despejava a tinta” na tela com a ajuda de uma vareta, isto contagiou alguns meninos que antes de verem as cenas do filme, só experimentavam a pintura feita com ajuda dos pincéis.


Fig. 3: Cena do filme Pollock (DVD filmes)

Aproveitando a abertura do momento, coloquei algumas folhas sobre a mesa e propus que eles tentassem fazer suas composições sem utilizar o pincel. Junto as folhas deixei alguns potinhos com cores, rolinhos de esponja, palitos, canudos de caneta, etc. Disse-lhes que brincassem com as cores levando-as através do papel em várias direções como haviam visto nas aulas de composição espacial.

RICHTER [4] revela que a ação lúdica acontece quando a criança, curiosa, não se conforma em só reproduzir aquilo que conhece e passa a ensaiar outros modos de fazer, transformando tanto o já conhecido pela novidade que conquistou quanto a si mesma pela a ação transformativa que realizou. A novidade emerge de um pensamento intuitivo e totalmente aberto à novidade, curioso e intrépido, caracterizado pelo o intenso entrelaçamento entre o afetivo e o cognitivo, pois transformar um exercício técnico em algo lúdico parecia ser a melhor coisa a fazer, a intuição dos garotos emergiria com fluidez durante o processo de criação. Já instigados pelo prazer e pela curiosidade, os alunos produziam sem se preocuparem em saber se suas pinturas tinham de ser aceitas por se parecerem com algo inteligível para outros.

Houve entre todos os alunos uma pré-disposição para um novo passo para o conhecimento, uma renovação do fazer que essencial para a nossa vida como expõe OSTROWER[5]: compreendemos, na criação, que a ulterior finalidade de nosso fazer seja poder ampliar em nós a experiência de vitalidade. Criar não representa um relaxamento ou um esvaziamento pessoal, nem uma substituição imaginativa da realidade; criar representa um intensificação do viver, um vivenciar-se no fazer(...)

Como professor, não sabia dizer se a experiência com o abstrato ultrapassaria a questão do laissez-faire, ou seja, deixar fazer sem critérios, pois a princípio não saberia qual seria a reação dos alunos. Afinal, os meninos podiam ver Bandeira e Pollock como produtores de borrões. Sim, este era um passo que podia botar tudo a perder, a leitura de uma criança é muito diferente da leitura de um adulto, isto é um fato comprovado até pela literatura universal, lembremos de uma passagem do livro O pequeno príncipe na qual uma criança tenta demonstrar aos adultos que seu desenho não é um chapéu e sim uma jibóia que engolira um elefante.
Mas terminou tudo bem, os pequenos não experimentaram só um envolvimento emotivo mas também racional, quer fosse na construção das camadas pictóricas com cores complementares como o azul e o laranja (fig.4) quer fosse na escolha dos instrumentos. Alguns manipulavam a tinta com um palito ao modo de Pollock (fig.5)


Fig.4: Assoprando as cores


Fig.5: Action painting

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